terça-feira, 10 de junho de 2008

O "inclipes" do Sol

O ti Zé Marques da Vila Nova era um homem já entrado na idade, solteiro, que vivia só, bastando-se a si próprio.

Na época estival ia muitas vezes às Pereiras ou ao Furtado roçar mato nas encostas dos baldios que ficavam nas cercanias das suas terras.

Saía de casa ainda o Sol não tinha nascido,com o sacho num ombro e o podão e a corda no outro.

Em casa e na aldeia andava descalço,mas para ir ao mato e à lenha ou tratar das terras, calçava os tamancos abertos, não fosse ele dar alguma topada ou levar alguma picada de lacrau.

Ia observando o astro rei para saber as horas (pois ali tão afastado que era,não chegava o som do relógio da torre) e ao meio dia solar regressava a casa com umas folhas de couve debaixo do braço para cozinhar o jantar.

Ora, num dia em que fazia muito calor, o ti Zé Marques,depois de comer o caldo e as batatas, dormiu uma sesta mais prolongada que o habitual.

Acordou estremunhado, quase ao fim da tarde. Cuidando que estava já atrasado e era o dia seguinte, pegou apressadamente no caldeiro do leite,no podão, na corda e partiu em direcção à encosta onde costumava roçar o mato para as suas ovelhas.

Ao chegar ao local encontrou os seus sobrinhos que tinham já os molhos atados e se preparavam para os colocar às costas.

Como a luminosidade era já fraca, ele virou-se para os sobrinhos e perguntou:
_ Ó rapazes,hoje há algum "inclipes" do Sol?

Os sobrinhos como gostavam de caçoar com ele remataram logo:
_Há, sim senhor! E olhe que nós vamos já embora, porque pode acontecer alguma desgraça!

O ti Zé Marques veio sem molho de mato, deitou umas palhas às ovelhas, ordenhou-as e veio para casa, sempre na esperança que o Sol começasse a aparecer.

Escusado será dizer que o "inclipes" do Sol foi assunto e risota durante uns tempos na taberna, na fonte e no largo do Povo.

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